27 de fev. de 2010

Foi para ti que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras e todas me faltaram
no minuto em que talhei o sabor do sempre

Para ti dei voz às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito para me procurar
e antes que a escuridão nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

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